História da América: as “altas culturas” pré-colombianas
As “altas culturas” a os império da região da Zona Andina central pré-colombiana
A Zona Andina Central abrange o Peru, Bolívia, equador, Chile e Argentina. Há três faixas que dividem essa zona:
1- deserto costeiro no litoral do pacífico entre o mar e a Cordilheira dos Andes onde uma corrente de ventos era rica em plâncton e atraia peixes, moluscos e aves marinhas. As carnes dessas aves eram alimento e seus excrementos serviam como adubo. No deserto de junho até novembro o tempo era nublado com nevoeiro, de dezembro até maio era quente e quase não chovia;
2 – as terras altas na região da Cordilheira propriamente dita eram temperadas e frias com vegetação herbácea propícia ao pastoreio de lhamas e o vale coberto de bosque para ocupação humana como Cajamarca, Callejón de Huaylas, huánuco, Mantaro, Cusco e Titicaca;
3 – a região amazônica com vales com bosques e rios largos.
Na região Central Andina a exploração dos recursos ecológicos permitiu a construção de agrupamentos verticais nos Andes. Cada grupo étnico procurava aumentar sua propriedade controlando ao máximo a região construindo colônias residenciais permanentes, não houve um Estado ou colônias multi-étnicas. Esse tipo de residência impediu o desenvolvimento de comércio. A Zona Andina Central era igual a Meso-América em certos elementos como pirâmides escalonadas, aspectos religiosos culto ao jaguar-pássaro-serpente. Sua originalidade está no complexo agrícola próprio que associou o milho a plantas como a coca, batata e quinoa e domesticou o lhama. O culto aos mortos se reflete nos traços das múmias andinas. Foi desenvolvido em maior quantidade o uso de metais [ouro, prata, cobre e bronze] bem antes de outros lugares. Havia também um sistema de cálculos baseado em cordões chamado de quipus.
A difusão de aldeias e o surgimento dos primeiros templos e centros cerimoniais datam de 2500 e 1800 a.C. Divide-se em duas fases essa história: a fase pré-ceramica (2500-1800 a.C.) onde surgiram as primeiras pirâmides e templos peruanos [vale de Chillón na costa central peruana e em Chuquitanta] logo que a vida se sedentarizou, primeiro que na Meso-América. As culturas eram regionais e as aldeias tinham até 100 pessoas. Já a segunda fase [1800-900 a.C.] veio a difusão do assentamento em aldeias sedentárias nas terras altas dos Andes centrais, com cerâmica, tecelagem com tear. Domesticação do lhama e uso do milho e mandioca e do amendoim. Outros importantes centros foram La Florida [Lima], em Las Haldas na costa central e o Kotosh perto de Huánuca nas terras altas. Havia Estados regionais com várias comunidades aldeãs.
As primeiras culturas inter-regionais surgiram entre 900-200 a.C., com os primeiros elementos artísticos e religiosos e arquitetônicos que se expandiram até a costa norte peruana. O estilo é o Chavin, com o templo de Chavin de Huántar que se caracteriza por uma cerâmica representando um jaguar e vasilhas com gargalos, casas de pedra ou adobe, adornos de conchas e turquesas, enterros com oferendas e ossos pintados de vermelho e com deformações no crânio. O fato de o estilo Chavin estar em muitas regiões se explica pela expansão do culto ao felino, seja por força de armas ou conversão, permitindo assim uma política que poderia ser chamada de “império Chavin”. Mas esse estilo não existiu sozinho.
As primeiras cidades e o progresso dos Estados organizados têm datação de 200 a.C. até 600 d.C. As características desse período são: grande desenvolvimento tecnológico e artístico, surgimento de Estados organizados e agressivos, nascimento urbanístico andino, mas limitado nas terras altas do sul como Tiahuanaco, com praças e edifícios públicos cercados por bairros residenciais, ao todo chegou a ter 100 mil habitantes. E o desenvolvimento tecnológico e econômico mochica está na criação de amplos sistemas de irrigação, um apogeu da tecelagem, do algodão e da lã. A metalurgia era usada na agricultura e nas armas e para adorno. A agricultura, como em outras culturas, reinava sendo completada pela pesca e caça, esta ultima também era um esporte aristocrático. Era uma sociedade populosa e estatal.
(Guerreiros mochicas)
A cerâmica era produzida pelas mulheres e era a melhor do Peru, com uma boa variedade – da utilitária até a funerária, onde representava a vida cotidiana, personagens, guerreiros e divindade, leprosos, bócios, paralisia, tumores e cegueira. Podemos ver com isso o conhecimento da medicina e cirurgia nas imagens das cerâmicas como amputações, trepanação do crânio, mas havia também nas cultura curandeiras, música de trombeta, percussão e flautas.
A estrutura social e política mochica era violenta no aspecto judicial. Havia castigos severos no sistema judiciário como amputação do nariz, do lábio superior, dos pés; pena de cepo, de morte por lapidação ou exposição do condenado amarrado em poste para as aves de rapina. Os guerreiros eram representados com capacetes, escudo, faca e tacape. A administração era como um Estado, através de estradas e correio público. A arquitetura usava tijolos crus, mas não ouve verdadeira urbanização. Os mochicas eram bons ouvires, usavam turquesas, ametistas, conchas, ouro e prata. A religião conhecia o felino humanizado que aparece voando montado em pássaros, associado a vários animais humanizados ou não, e em luta com outros tipos de animais com conotação demoníaca.
Na costa sul desenvolve-se culturas como as de Nazca e de Paracas-Necrópoles, com figuras ligadas a algum culto astral ou comunicação com deuses celestes. Os cadáveres eram envolvidos em mantos, com os membros flexionados e enterrados com muita cerâmica e outras oferendas. Os tecidos eram de algodão e de lã de lhama. Em Paracas-Necrópoles as tumbas eram verdadeiras casas subterrâneas. Foram achadas centenas de múmias preparadas através da extirpação dos órgãos interno e de ressecamento pela fumaça e envolvidos em cestos depois de envoltas em tecidos.
(Reprodução de cidades em nazca)
(Firugas desenhadas na região de Nazca)
Nos planaltos do sul, em Titicaca, desenvolveu-se uma civilização urbana. Tiahuanaco era um grande centro cerimonial, situado em solo boliviano. A agricultura e o pastoreio eram as bases da economia. Assim como Chavin no passado, Tiahuanaco foi um centro de peregrinação religiosa. Na chamada “Porta do Sol” estava um personagem central humano, tratava-se do deus criador Viracocha. Além das cidades maiores – Tiahuanaco, Púcara, Huari -, havia a menores como Chakipampa, Acuchimay e nwimpukyu. Presume-se a presença de organizações estatais. No vale da costa meridional – Pisco, Ica, Nazca e Acari – surgiram também pequenas cidades, ao norte não há traços de urbanismo, mas muitas guerras que unificaram cada vale e os uniu.
Os primeiros impérios datam de 600-1000 d.C. Houve nesse período conquistas em larga escala com impérios efêmeros que romperam o tradicional isolamento das culturas andinas e permitiu a circulação de bens e idéias na Zona Andina central. O império de Tiahuanaco abrangia do lado Titicaca até o Chile, expandiu seu estilo artístico e militar. Já o império de Huari [600 d.C.-700 d.C.] era um centro urbano do vale do Mantaro, com longa tradição e vínculos culturais com Tiahuanaco. Sua expansão começou entre 600 d.C. e 700 d.C., formando uma liga de cidades. Huari foi a capital de um império que ia do Peru até Cajamarca. As expansões militar e artística difundiram na Zona Andina juntas. Porém houve uma desintegração desse império por causas desconhecidas. Teve a cidade santuário de Pachacamac na costa central do Peru, seu estilo artístico e as técnicas, apesar de não ter progressos eram semelhantes à Tiahuanaco, mas o militarismo e o urbanismo tiveram traços marcantes.
(Reprodução da cidade de Tiahuanaco)
O império inca [1000-1534 d.C.] veio com a destruição do império de Huari que havia levado a descentralização e ao surgimento de Estados independentes. Mas nem por isso o urbanismo deixou de intensificar-se e planificar-se, em especial em chamu e nos incas. Teve aumento da população e extensão de sistema de irrigação. O reino de chimu foi resultado da cultura do vale setentrional de Lambrayeque com elementos mochicas e Huari que dominou a costa setentrional do Peru e parte do Equador com a capital de Chan-Chan, maior centro urbano da Zona Andina Central. A população chegou a 80.000 pessoas, havia guarnições militares. A economia baseava-se no regadio e havia tributo, inspirado nos incas. A sociedade era bem diversificada e hierarquizada. Os Chamus fabricavam cerâmica negra derivada dos mochica e Huari. A metalurgia e o tecido eram avançados e produzidos em série em grande quantidade. A religião se concentrava no culto da lua e das estrelas, incluindo pedras associadas aos antepassados. Havia sacrifícios humanos de crianças e consagração as virgens à Lua. As múmias eram enterradas sentadas em fossas coletivas em oferendas e também apresentavam deformações no crânio. Os reinos e culturas menores eram Cuismancu na costa central com cidades como Cajamarca e Pachacamac. O Estado Chincha no vale da costa sul tinha fortificações, assim como o império Huari e chamu. Os Pukinas eram das terras altas do sul e derivavam de Tiahuanaco e Huari. E iam até a Bolívia e norte do Chile.
No vale de Cuzco formou-se uma confederação inter-étnica dominada pelo grupo chamado de quíchoa ou inca. A expansão militar unificou a totalidade da Zona Andina Central no imenso tawantinsuyu ou império inca e em seu apogeu se estendeu do Equador ao Chile. Até a chegada dos espanhóis. Sua estrutura econômica era agrária: a terra era preparada com um bastão de semear [taclla] denominado “arado de pé”, depois as mulheres quebravam os torrões com uma enxada [lampa]. Os vales andinos eram estreitos com poucos terrenos planos, isso levou ao cultivo e irrigação por meio de canais bem desenvolvidos. A alimentação eram à base de batata, milho, quinoa e oca. A desidratação da batata congelada e conservada levava ao preparo do chuñu. O lhama tinha diversos usos.
A agricultura e a vida social era baseada na aldeia, habitada por diversas famílias com vínculo de parentesco formando uma comunidade ou ayllu, este era um clã ou linhagem com tendência endogâmica (casavam-se apenas com membros do clã ou linhagem) e um sistema de descendência paralela. A família nuclear era a unidade de consumo e de produção. Cada ayllu tinha um chefe [kuraka] que organizava os trabalhos coletivos e resolvia os conflitos. A terra do ayllu, chamada de marka, era dividida em lotes familiares segundo o tamanho da família. O ciclo da vida agrícola baseava-se na ajuda mútua, chamada de ayni, com uma união de trabalho entre as famílias para semear e colher. Não havia tributos in natura, só prestação de serviço. As divindades de cada ayllu eram os waka. Os chefes dos ayllu concentrava a riqueza através da mita, mas tinha que redistribuir os bens, alimentando os trabalhadores. Havia limites à redistribuição dos bens e assim havia uma diferenciação social entre homens comuns [puriq] e os poderosos ou privilegiados [kapa].
Havia uma pirâmide social de poder entre as ayllus, onde surgiam chefes de confederações tribais e reinos, mas todos estes repetiam as obrigações da prestação e redistribuição bem organizados que existia com os chefes de clã. Nestas condições o comércio não tinha grande desenvolvimento. As mudanças surgiram quando o sistema de política que transferia populações mal submetidas ou mais rebeldes para regiões distantes de sua origem e cortando laços comunitários e reduzindo algumas pessoas a um estado de servidão fora da comunidade [a yana].
Em Cusco, capital conhecida pelo sítio Tambo Colorado, Sacsahuaaman, Machu Pichu, assim como Huari, a administração dos incas se apoiou na difusão do urbanismo com cidades como Tumipampa, Cajamarca, Huánuco, Jauja, foram planejadas. A cerâmica e a metalurgia foram inovadas tecnologicamente, a arte e a religião deixaram de ser regional, mas houve traços ainda regionais. O culto do Sol, deus inca, era obrigatório em todo o Tawantinsuyu. Havia redes de templos e um clero bem hierarquizado: os waka podiam ser rochas, múmias, fontes, cavernas, edifícios, etc., associados aos antepassados. A cultura intelectual era passada oralmente. As tradições mítico-históricas eram função de especialistas hereditários de cada linhagem, os chamados amautas. A língua, a quíchoa ainda hoje existente, foi difundida por toda a Zona Andina Central.
(Cidade inca de Machu-Pichu)
Na organização econômico-social das “altas culturas” pré-colombianas há uma diversidade muito grande. Na costa peruana mostra uma economia costeira associada a agricultura e a exploração do mar com grande desenvolvimento do artesanato especializado, comércio de longa distancia e esboço de uma propriedade privada, igual a meso-América. Sobre a tecnologia podemos ver uma deficiência em relação ao Oriente Próximo – ausência do arado, não uso de veículos de roda e pouco uso do metal como ferramentas -, talvez pelo fato de não ter ligação mais estreita com a pecuária. Mas se identificou um grande progresso considerável ao aspecto humano: esforço das civilizações pré-colombianas em aperfeiçoar a divisão social e técnica de trabalho, formas de controle e cooperação da mão-de-obra, diferente do Oriente Próximo e da África antes da colonização. Isso se explicaria pela possibilidade de tecnologia pouco avançada e por haver sociedades estratificadas e diversificadas com um bom desenvolvimento cultural.
Essa organização construída pelas “altas culturas” - o sistema de “reciprocidade” e de “distribuição” – também se diferenciam do modo de produção asiático, que tem como característica o controle da irrigação pelo Estado despótico, fraco desenvolvimento da propriedade privada, existência de estruturas rurais comunitárias com uma classe dominante encarnada na estrutura estatal que submete a comunidade aldeã e explora com tributos. Na América pré-colombiana há um maior caráter igualitário e clânico nas comunidades pré-colombianas como o ayllue calpulli.
Fonte: CARDOSO, Ciro Flamarion. América pré-colombiana. São Paulo: Brasiliense, 2004.
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